Bento XVI: a Igreja deve fazer a fé resplandecer
CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 20 de dezembro de 2010 (ZENIT.org) - A Igreja deve fazer resplandecer a fé no amor de Deus, disse Bento XVI, na tradicional audiência aos membros da Cúria Romana e do governo, por ocasião da troca de votos natalícios.
Em seu discurso, pronunciado na manhã de hoje, na Sala Régia do Palácio Apostólico, o Papa quis recordar alguns acontecimentos importantes do ano que já está terminando, incluindo o Sínodo das Igrejas do Oriente Médio.
"Com base no espírito da fé e na sua razoabilidade, o Sínodo desenvolveu um grande conceito do diálogo, do perdão, do acolhimento recíproco; conceito esse, que agora queremos gritar ao mundo", destacou.
E acrescentou: "Assim, as palavras e os pensamentos do Sínodo devem ser um forte brado, dirigido a todas as pessoas com responsabilidade política ou religiosa, para que detenham a cristianofobia; para que se levantem em defesa dos prófugos e dos atribulados e na revitalização do espírito da reconciliação".
Para Bento XVI, "a regeneração só pode vir de uma fé profunda no amor reconciliador de Deus. Fortalecer esta fé, alimentá-la e fazê-la resplandecer é a missão principal da Igreja nesta hora".
Com os ortodoxos
Neste contexto, o Papa recordou sua viagem a Chipre e a inesquecível "hospitalidade da Igreja Ortodoxa, que pudemos experimentar, imensamente agradecidos".
No que diz respeito às relações com os ortodoxos, indicou que, "embora ainda não nos tenha sido concedida a plena comunhão, todavia constatamos com alegria que a forma basilar da Igreja antiga nos une profundamente uns aos outros".
Neste sentido, referiu-se ao "ministério sacramental dos bispos enquanto portador da tradição apostólica, a leitura da Escritura segundo a hermenêutica da Regula fidei, a compreensão da Escritura na unidade multiforme centrada em Cristo, desenvolvida graças à inspiração de Deus e, por fim, a fé na centralidade da Eucaristia na vida da Igreja".
"Assim encontramos ao vivo a riqueza dos ritos da Igreja antiga mesmo dentro da Igreja Católica", destacou, recordando as liturgias com os maronitas e os melquitas, as celebrações em rito latino e os momentos de oração ecumênica com os ortodoxos.
Desejo de paz
No entanto, acrescentou, "vimos também o problema do país dividido". "Tornavam-se visíveis culpas do passado e feridas profundas, mas também o desejo de paz e de comunhão como existiram antes", disse.
Segundo o Papa, "só com o acordo e a compreensão mútua se pode restabelecer a unidade. Preparar a gente para esta atitude de paz é uma missão essencial da pastoral".
Com relação à situação no Oriente Médio, indicou que "nos tumultos dos últimos anos, foi abalada a história de partilha, as tensões e as divisões cresceram, de tal modo que somos testemunhas sempre de novo e com terror de atos de violência nos quais se deixou de respeitar aquilo que para o outro é sagrado, e, pior ainda, desmoronam-se as regras mais elementares da humanidade".
"Na situação atual, os cristãos são a minoria mais oprimida e atormentada", declarou.
Reino Unido
Em seu discurso, o Papa também se referiu à visita pastoral que fez ao Reino Unido de 16 a 19 de setembro.
Exortou a buscar uma contínua conversão à fé em Deus e recordou a beatificação do cardeal John Henry Newman, de quem destacou a conversão "à fé no Deus vivo".
Até o momento dessa conversão, explicou, "Newman pensava como a média dos homens do seu tempo e como a média dos homens também de hoje, que não excluem pura e simplesmente a existência de Deus, mas consideram-na em todo o caso como algo incerto, que não tem qualquer função essencial na própria vida".
"Como verdadeiramente real apresentava-se-lhe, a ele como aos homens do seu e do nosso tempo, o empírico, aquilo que se pode materialmente agarrar."
Em sua conversão, destacou, "Newman reconhece precisamente que as coisas estão ao contrário: Deus e a alma, o próprio ser do homem a nível espiritual constituem aquilo que é verdadeiramente real, aquilo que conta. São muito mais reais que os objetos palpáveis".
Nesse contexto, "aquilo que até então lhe apareceu irreal e secundário, revela-se agora como a realidade verdadeiramente decisiva".
"Onde se dá tal conversão, não é simplesmente um teoria que é mudada; muda a forma fundamental da vida. De tal conversão, todos nós temos incessante necessidade: então estaremos no reto caminho."
Consciência
O Papa recordou depois que "a forma motriz que impelia pelo caminho da conversão era a consciência", mas não em sua concepção moderna, para a qual, "em matéria de moral e de religião, a dimensão subjetiva, o indivíduo, constitui a última instância de decisão".
Segundo esta linha de pensamento, "ao objetivo pertencem as coisas que se podem calcular e verificar através da experiência".
"A religião e a moral se subtraem a estes métodos, são consideradas como âmbito do subjetivo", e neste campo poderia decidir "apenas o indivíduo, com as suas intuições e experiências".
Segundo o Pontífice, a concepção que Newman tinha da consciência era totalmente oposta.
Para ele, de fato, "‘consciência' significa a capacidade de verdade do homem: a capacidade de reconhecer, precisamente nos âmbitos decisivos da sua existência - religião e moral -, uma verdade, a verdade".
"A consciência, a capacidade do homem de reconhecer a verdade, impõe-lhe, ao mesmo tempo, o dever de se encaminhar para a verdade, procurá-la e submeter-se a ela onde quer que a encontre", continuou.
"Consciência é capacidade de verdade e obediência à verdade, que se mostra ao homem que procura de coração aberto."
O de Newman é, portanto, "um caminho da consciência: um caminho não da subjetividade que se afirma, mas, precisamente ao contrário, da obediência à verdade que pouco a pouco se abria para ele".
A conversão de Newman ao catolicismo, prosseguiu o Bispo de Roma, "exigia-lhe o abandono de quase tudo o que lhe era caro e precioso: os seus haveres e a sua profissão, o seu grau acadêmico, os laços familiares e muitos amigos".
"Newman sempre estivera consciente de ter uma missão para a Inglaterra. Mas, na teologia católica do seu tempo, dificilmente podia ser ouvida a sua voz", porque "era demasiado alheia à forma dominante do pensamento teológico e mesmo da devoção".
"Na humildade e na escuridão da obediência, ele teve de esperar até que a sua mensagem fosse utilizada e compreendida."
Responsabilidade comum
Em seu discurso, Bento XVI recordou o encontro que teve com o mundo da cultura no Westminster Hall, "no qual a consciência da responsabilidade comum neste momento histórico suscitou grande atenção, que em última análise se concentrou na questão acerca da verdade e da própria fé".
"Que, neste debate, a Igreja deve prestar a própria contribuição, era evidente para todos", afirmou.
E concluiu esta questão citando Alexis de Tocqueville, quem "observou que, na América, a democracia se tornara possível e funcionara porque existia um consenso moral de base que, ultrapassando as diversas denominações, a todos unia".
"Só se houver tal consenso acerca do essencial é que podem funcionar as constituições e o direito. Este consenso de fundo proveniente do patrimônio cristão está em perigo sempre que no seu lugar, no lugar da razão moral, entra a mera racionalidade dos fins."
"Combater contra esta cegueira da razão e manter-lhe a capacidade de ver o essencial, de ver Deus e o homem, aquilo que é bom e o que é verdadeiro, é o interesse comum que deve unir todos os homens de boa vontade. Está em jogo o futuro do mundo."
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