HOMILIA DO CARDEAL TARCISIO BERTONE, SECRETÁRIO DE ESTADO DO SANTO PADRE Romano Canavese (Piemonte) Domingo, 19 de Julho de 2009 Estimados irmãos e irmãs A hodierna celebração eucarística realiza-se num contexto muito singular. Com efeito, preparamo-nos para receber o Santo Padre Bento XVI, que nos concede a honra de visitar a nossa terra canavesana, e em particular esta nossa comunidade paroquial. É uma ocasião de alegria para todos; é uma bênção para a nossa paróquia e para a nossa cidade; ao mesmo tempo, é uma ocasião para manifestar a nossa fidelidade a Cristo e o nosso amor à Igreja, cujo Pastor supremo é o Papa. Portanto, nesta nossa celebração queremos orar em primeiro lugar pelo Papa e depois, guiados pela palavra de Deus, estender a nossa lembrança orante a todos os pastores, chamados a ser pais, guias e mestres do povo cristão. A palavra de Deus na liturgia deste 16º domingo do tempo comum — especialmente a primeira leitura, tirada do profeta Jeremias, e o Evangelho segundo São Marcos — apresentam, com efeito, precisamente a figura do pastor. O profeta Jeremias dirige uma séria admoestação ao Senhor: "Ai dos pastores que deixam perecer e dispersam o rebanho da minha pastagem". No entanto, o Evangelho apresenta Jesus como o Pastor pronto para procurar as ovelhas tresmalhadas e para as reunir ao seu redor. Portanto, reflictamos sobre esta breve mas intensa página evangélica: Jesus chama à parte os discípulos para que permaneçam com Ele, e com Ele descansem. Alguns capítulos antes, o Evangelista narrou que Ele instituíra os Doze para O ajudar na sua tarefa de pastor. Com efeito, São Marcos escreve que os escolheu "para permanecer com Ele e para os enviar a pregar" (3, 14). Para compreender qual é a verdadeira missão de cada pastor, é necessário fixar o olhar em Cristo e permanecer à escuta atenta da sua palavra e de cada um dos seus ensinamentos. Através dos Apóstolos e dos pastores de todas as épocas, Ele quer tornar-se presente e agir como o verdadeiro Pastor das nossas almas. Portanto, a opção de se dedicar ao ministério pastoral não é individual: ao contrário, é uma vocação específica e pessoal de Deus, que escolhe quem e como quer, e envia os "chamados" a cuidar do seu povo, da humanidade de todas as épocas, que muitas vezes parece composta precisamente de "ovelhas sem pastor". Jesus sente compaixão pela humanidade! O dom dos pastores à Igreja — Papa, bispos e sacerdotes — é por conseguinte um gesto de amor do Senhor, um gesto de misericórdia infinita. Estamos no Ano sacerdotal, e então como deixar de dar graças a Deus pela presença dos seus ministros ao serviço da Igreja? O sacramento da ordem constitui como presbíteros homens frágeis e débeis, tornando-os no meio do povo "presença de Jesus Bom Pastor". O Senhor faz deles seus directos colaboradores, envia-os como servos do Evangelho e pede-lhes que sejam construtores de unidade e ministros de misericórdia. Em última análise, cada sacerdote é alter Christus, que deve cumprir a própria missão de salvação nos lugares e nos tempos em que se encontra a viver e a trabalhar. Caros irmãos e irmãs, o Ano sacerdotal é mais oportuno do que nunca para nos ajudar a redescobrir a dádiva do sacerdócio ministerial ao serviço do sacerdócio de todos os fiéis, como teve a oportunidade de ressaltar Bento XVI na sua catequese de há algumas semanas. Para nós, sacerdotes, trata-se de um dom a redescobrir todos os dias; mas compreender o valor deste sacramento é também tarefa das famílias, para que permitam, aliás facilitem, a resposta dos seus filhos à chamada de Cristo, quando ela se manifesta. Consideremos um pouco a situação em que vivemos também aqui, na nossa terra. Há muita carência de sacerdotes, há necessidade de numerosos presbíteros, e sobretudo de santos sacerdotes. Por isso, temos que rezar a fim de que, como Dom Bosco gostava de dizer, as famílias compreendam que a vocação de um filho é "o maior dom para a família". Não é porventura verdade que algumas famílias, primeiro contrárias à vocação de um dos seus filhos, depois puderam experimentar a verdade destas palavras de Dom Bosco? Oremos para que aumente o número de vocações ao sacerdócio, também nesta nossa comunidade diocesana, e ajudemos os jovens a ser corajosos e generosos ao responder à chamada do Senhor. De modo especial, rezemos por esta intenção durante o Ano sacerdotal, desejado pelo Papa para recordar o 150º aniversário da morte do Santo Cura d'Ars, modelo de pároco e padroeiro de todos os párocos do mundo. Além disso, a poucos quilómetros de Romano, em Vische Canavese, há um século viveu a venerável Madre Luísa Margherita Claret De La Touche, que escreveu páginas emocionantes sobre o mistério do sacerdócio católico, fundando uma família religiosa inteiramente dedicada à oração pelos sacerdotes. E a Diocese de Ivrea quis começar o Ano sacerdotal precisamente em Betania di Vische. Neste momento, queremos dar graças ao Senhor inclusive pelos presbíteros que Ele colocou no nosso caminho, que nos guiaram e educaram na fé: muitos deles nos ofereceram com o seu exemplo uma imagem viva do Bom Pastor. E de sacerdotes assim, sem dúvida cada um de nós tem algum para recordar. Modelo de cada pastor — eu recordava no início — é sempre Jesus, que veio para procurar as ovelhas perdidas. Isto mostra que cada sacerdote deve alimentar um verdadeiro anseio pela salvação das almas, redimidas e reconciliadas pelo sangue de Cristo, como São Paulo nos recordou na carta aos Efésios, que há pouco ouvimos. O sacerdote deve ser apóstolo de unidade e de reconciliação na Igreja. E como hoje são necessárias a unidade e a reconciliação na Igreja e no mundo! Temos o dever de nos comprometermos na construção da unidade onde quer que nos encontremos, unidade na família, na paróquia, na Diocese, na Igreja e na sociedade. Temos que rezar para que a Igreja inteira, unida ao Papa, ofereça este testemunho de reconciliação e de unidade. Voltando por alguns instantes à página evangélica, gostaria de reflectir sobre a "emoção" que Jesus sente diante das multidões, comparadas com ovelhas perdidas, desprovidas da guia do pastor. Como deixar de entrever aqui o amor do Senhor pela humanidade marcada por tantas dificuldades e sofrimentos? Imitando-O, o Bom Pastor, os pastores da Igreja têm o dever de nutrir os mesmos sentimentos de Cristo pela humanidade de hoje. A emoção de Cristo torna-se modelo do nosso próprio acolhimento. Em primeiro lugar, certamente é modelo dos sacerdotes, mas o convite a ser acolhedores é dirigido a todos os fiéis — acolhimento de quem sofre e vive no abandono, acolhimento especialmente daqueles que são frágeis na fé e na sua existência cristã. Cada cristão deve cultivar em si mesmo o espírito do Bom Pastor, pronto para ser paciente, para ajudar quem está em dificuldade a readquirir confiança, a retomar o caminho. E por isso são indispensáveis o exemplo e o apoio válido dos pastores e dos outros companheiros de caminho espiritual. Hoje no mundo existe uma pobreza material que aumenta; mas há inclusive uma miséria espiritual que corre o risco de destruir muitas existências. Jesus — diz o Evangelho — "pôs-se a ensinar-lhes muitas coisas", impelido por um amor profundo que vai além de todos os limites. Se o pão material é necessário, é-o ainda mais o pão espiritual da verdade e do amor de Deus. Podemos ver aqui que o segredo de toda a autêntica evangelização é precisamente o amor de Cristo: um amor que se abre a todo o tipo de pobreza e abraça todos os homens, sem distinção de raça e cultura. As três encíclicas de Bento XVI ajudam-nos a ter hoje a justa e oportuna abertura às pobrezas do nosso tempo. Em particular, a recente encíclica Caritas in veritate ajuda-nos a compreender que as pobrezas económicas têm raízes profundas no egoísmo do coração do homem. Para as debelar, é indispensável um sério caminho de conversão ao amor de Cristo. O Papa repetiu no domingo passado no Angelus, que "o anúncio de Cristo é o primeiro e principal factor de desenvolvimento humano integral". Tarefa da Igreja é, portanto, fazer com que Cristo e o seu Evangelho de salvação sejam conhecidos. Então, compreende-se como é importante anunciar a palavra de Deus com verdade e amor, e como é urgente a tarefa dos pastores de nutrir os fiéis com esta palavra de salvação, fazendo com que cada um se torne por sua vez mensageiro e testemunha da mesma no próprio ambiente de vida e de trabalho. Missão que cabe a todos. Um desafio que a todos interpela e pede aos leigos que construam a esperança e o futuro da Igreja e da humanidade. Gostaria de acrescentar ainda brevemente algumas considerações, para melhor focalizar as condições que permitem a cada baptizado ser autêntico evangelizador. Em primeiro lugar, é necessário que participem na Eucaristia dominical para ouvir os ensinamentos do Senhor. E precisamente na participação na Eucaristia, a comunidade cristã deveria poder encontrar aquele espaço positivo, liberatório, para pôr em actividade toda a força criadora do espírito que se dirige a Deus em atitude de oração e de conversão. No conjunto dos dinamismos da convivência humana que se movem na cidade, no seu vórtice de ruídos, de negócios e de intrigas, o homem sente a necessidade de um oásis de paz em que o Senhor, no silêncio, possa falar ao seu coração: "Vinde à parte comigo — Jesus convida — e descansai um pouco". A caridade fraterna, o amor familiar e o compromisso educativo adquirem força, se forem vividos no seio da comunidade dos fiéis. Por isso, hoje gostaria de frisar a importância da pausa dominical, em comunhão com o Senhor, para a recuperação constante das energias espirituais necessárias para superar as dificuldades da vida. Além disso, é mais importante do que nunca aprender a visitar Jesus. Deus, que não é um estranho, não exige muitas acrobacias para ser encontrado, pois está sempre presente no coração que dele se recorda, uma lembrança que é cultivada andando por vezes "à parte" com Jesus e descansando com Ele. Os nossos povoados são ricos de igrejas deveras bonitas, mas demasiadas vezes muito vazias, sem adoradores de Deus, sem amigos de Jesus. É preciso entrar em intimidade com o Mestre, olhá-lo face a face, falar-lhe de coração a coração. Uma comunidade que vive assim poderá anunciar com vigor e alegria o Evangelho da esperança e do amor. Caros irmãos e irmãs, esta é a nossa missão, pois somos chamados como hoje recordam os textos bíblicos a ser anunciadores da palavra de Deus. Uma tarefa que é particularmente urgente para vós, queridos jovens, que deveis ser os evangelizadores dos vossos coetâneos. E, precisamente a este respeito, apraz-me concluir com as palavras que o Papa Bento XVI dirigiu aos milhares de jovens que lotavam as escadas e as ruas adjacentes ao estádio do Pacaembu em São Paulo, durante a visita ao Brasil, há dois anos. Recordo muito bem o entusiasmo daquele encontro comovedor: "Vós disse o Papa sois jovens da Igreja. Por isso eu vos envio para a grande missão de evangelizar os jovens e as jovens, que andam errantes por este mundo, como ovelhas sem pastor. Sede os apóstolos dos jovens. Convidai-os para que venham convosco, façam a mesma experiência de fé, de esperança e de amor; encontrem-se com Jesus, para se sentirem realmente amados, acolhidos, com plena possibilidade de realizar-se" (10 de Maio de 2007). Que assim seja, com a ajuda de Deus e a salvaguarda materna de Maria, Virgem da Assunção e Nossa Senhora da Estrela. |